Saio de casa, finalmente. O Dia de Compras, agora já em caixa alta, se tornou meu evento favorito. Meu e de muita gente em Lisboa, à exceção dos mais idosos, que teimam em sair com mais frequência.
O Sol beija meu rosto e eu abro um sorriso; usar a metáfora é imprescindível, visto que ela me aproxima de um carinho humano tão raro nesta quarentena e muito comum outrora. No caminho ao supermercado Continente, um dos mais famosos em Portugal, aceno ao segurança, que já me abre um sorriso de intimidade, forjado nas agruras dos últimos dias. Um peão de obra fuma seu cigarro e joga mais uma pá de terra num canteiro de obras. Ele para e reflete em pé enquanto eu tento entender o porquê deles trabalharem todos os dias sem descanso e sem máscara.
No mercado, o de sempre: a seção de carnes vazia, restando apenas os cortes bovinos mais nobres e sem sinal do glorioso franguinho, o barato que satisfaz. O jeito é me contentar com os rojões de porco, escondidos na última prateleira.
Flagro um diálogo curioso, entre uma senhora portuguesa e um funcionário brasileiro de máscara. O sotaque nordestino carregado, abafado pelo pedaço de pano, torna-se quase um dialeto para a velhinha e a conversa, na teoria simples, torna-se um desafio dos mais difíceis. No final, acabam se entendendo (ou desistindo).
O preço do Guaraná Antártica está muito bom e eu acabo por levá-lo, já que conseguir uma Coca de 2 litros é quase impossível. Um doce, uma fruta, azeite, arroz, brócolis (ou brócolos, como os gajos chamam aqui) e ervilha. Já posso ir ao caixa.
Equipados com luvas, toucas e máscaras, os vendedores divertem-se uns com os outros, extraindo o máximo possível de alegria daqueles momentos peculiares. Embalo minhas compras, agradeço e sigo meu caminho.
O dia ensolarado segue enamorando os transeuntes, que suspiram de alívio. Ao menos não chove, venta pouco e a temperatura é agradável. No trajeto de volta à minha casa, na simpática freguesia de Penha de França, idosos mascarados fazem fila para comprar cigarros e bilhetes de loteria. Quem sabe a sorte grande não vem durante a pandemia? Desvio deles, tomo muito cuidado para não encostar em ninguém e chego até a porta do prédio.
Luvas para não tocar na maçaneta, manga do casaco para empurrar as portas, um bom dia com o rosto adernado no braço para os vizinhos. Tiro meus sapatos ainda do lado de fora. Cheguei em casa. Que pena.
Texto de Gabriel Cassar - Jornalista e escritor, residente em Portugal e nosso colunista quinzenal. =)
Comentários