Confesso que, caso não tivesse presenciado esta história com meus próprios olhos (que a terra há de comer, sempre bom lembrar), não acreditaria em sua veracidade de imediato, ficando ressabiado pelos níveis extremos de absurdo presentes. No entanto, como um bom Repórter Esso, fui testemunha ocular deste causo, ocorrido na aconchegante Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Carvalhosa, no distrito do Porto. Depois de mais uma consulta médica (o frio e o vento me deixam doente a cada 15 dias, tornando-me frequentador assíduo dos hospitais e amigo dos médicos e enfermeiros Tugas), encostei na parede branca e rugosa do recinto e fui abrir o Google Maps para me situar na volta à casa. Enquanto mexo n
o celular, uma moça de meia idade se aproxima do local, olha fixamente para o letreiro na fachada e pergunta ao porteiro/segurança: - Com licença, fazendo favor: aqui é o Centro de Saúde? Antes de prosseguir com a resposta do gajo, vale uma pequena explicação: nos fins de semana, a UCSP de Carvalhosa, gentilmente, abre seus serviços para a Urgência (a nossa Emergência, no Brasil). Ou seja, as consultas previamente marcadas dão lugar aos enfermos e ao Deus Nos Acuda das tosses, espirros, feições deprimidas e dores de cabeça. Voltando à história: - Não, não é – Respondeu o segurança. Meio incrédula, a moça coça a cabeça e dá uns 5 passos para trás. Olha o letreiro novamente e lá está, em letras garrafais “UNIDADE DE CUIDADOS DE SAÚDE PERSONALIZADOS”. Nesse momento, eu já estou acompanhando tudo e prevendo o pior. - Com licença, senhor, mas ali fora diz claramente que aqui é um centro de saúde. - Pois, mas não é, senhora. Aqui é a Urgência de Carvalhosa. - Mas como assim? Está escrito que aqui é a Unidade de Cuidados de Saúde. No mapa aqui da internet, também diz o mesmo, incluindo a morada, horário de funcionamento e telefone. - Senhora, já lhe disse mais de uma vez: hoje, neste espaço, o que temos é a urgência. E só. - Olha rapaz, eu não estou com tempo para brincadeira. Preciso saber se aqui é o centro de saúde, marquei com a minha mãe neste local e preciso saber se estarão aptos a atendê-la. Então, por gentileza, tu poderias me confirmar a informação de que aqui é um centro de saúde? Fogo! (é o foda-se deles, quando ainda estão na fase eufemística). - Repito o que disse, até porque não vou passar informação errada: aqui é a Urgência de Carvalhosa. Ponto. - Foda-se, tás a gozar? Eu já entendi que aqui é a urgência nos fins de semana, mas, em condições normais de temperatura e pressão, o sítio é um centro de saúde. - Senhora, podes me xingar à vontade, mas aqui é a urgência. Centro de Saúde, não. - Caraças, então responda-me algo: segunda-feira, se eu vier aqui, estarei em um Centro de Saúde? - Sim. - Foda-se então, tu. Vai-te à merda. - Pare de gritar. - Vai te fuder, caraças. Palhaço. Ainda sem conseguir entender muito bem o que estava acontecendo ali, acompanhei a senhora, fula da vida, ir embora praguejando contra o segurança, que olhava impassível e certo de que procedera de forma correta, se atendo ao pragmatismo inevitável da informação em sua responsabilidade. - É cada uma que aparece, não é? – perguntou o rapaz, esperando minha condescendência em forma de aceno com a cabeça. E ela veio, junto com um sorriso discreto. Eu que não entro em discussão com um sujeito desses.
Texto de Gabriel Cassar - Jornalista e escritor, residente em Portugal e nosso colunista quinzenal.
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